O Escritório das Nações
Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) divulgou uma nota técnica sobre o problema
mundial das drogas e os avanços recentes da política brasileira sobre drogas.
De acordo com a nota, o problema do uso de drogas é global e interligado com
todos os aspectos do desenvolvimento sustentável. Por isso, é essencial buscar
atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (ODS) como forma de apoio
no combate às drogas. Confira os ODS e como atingi-los pode ajudar na batalha
contra as drogas:
ODS 10 - Reduzir a desigualdade nos países
e dentro deles
É importante ressaltar
que a dificuldade em aceitar ou entender que a dependência química é uma
condição de saúde alimenta o ciclo de marginalização que em geral afeta pessoas
com transtornos relacionados ao uso de drogas, dificultando o seu tratamento e
integração social.
A estigmatização em relação
às pessoas que usam drogas pode representar uma grande barreira no acesso
destas pessoas às ações de cuidado em saúde, como demonstrou o estudo do
pesquisador brasileiro Telmo Ronzani citado no relatório.
O relatório cita a
pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz que indicou um perfil de vulnerabilidade social
entre usuários de crack que antecede o uso de crack, mas também pode
ser agravado por ele. Essa pesquisa quantitativa foi recentemente aprofundada
no Brasil com uma investigação sociológica que buscou reconstituir trajetórias
de vida de usuários de crack (“Crack e Exclusão Social”- Organizador: Jessé
Souza).
Dessa forma, além de
políticas de prevenção voltadas à promoção da educação e do bem-estar e de
cuidado no campo da saúde para ações tratamento, reabilitação e reintegração
social, com base em evidência, essas políticas também demandam um robusto
componente de enfrentamento ao estigma e de promoção da equidade de gênero e
dos direitos humanos de uma forma mais ampla.
Dessa forma, o ODS 10
inclui duas metas que precisam ser consideradas nas políticas sobre drogas:
10.2 Até 2030, empoderar
e promover a inclusão social, econômica e política de todos, independentemente
da idade, gênero, deficiência, raça, etnia, origem, religião, condição
econômica ou outra
10.3 Garantir a igualdade
de oportunidades e reduzir as desigualdades de resultados, inclusive por meio
da eliminação de leis, políticas e práticas discriminatórias e da promoção de
legislação, políticas e ações adequadas a este respeito
ODS 3 - Assegurar vidas saudáveis e
promover o bem-estar de todas as idades
Explicitamente inclui
fortalecer a prevenção e tratamento de abuso de substâncias. Programas voltados
à prevenção, ao tratamento, ao cuidado, à reabilitação e à reinserção social
desempenham um papel fundamental e se baseados em evidência podem reduzir os
impactos negativos para a saúde e sociais relacionados ao uso problemático de
drogas.
Desde 2013, em parceria
com o UNODC, o Ministério da Saúde (MS) identificou três programas que, na
literatura científica internacional, mostraram resultados associados a adiar e
evitar o primeiro uso de substâncias psicoativas, além de reduzir o grau de
abuso de álcool, tabaco e outras drogas entre o público a que se dirigem.
Atualmente a SENAD também vem apoiando a implementação dos três programas:
Além de problemas
associados ao uso como o risco de overdose, suicídio, desenvolvimento de
transtornos mentais, é preciso considerar que pessoas que fazem o uso injetável
ou não são mais vulneráveis em relação à transmissão do HIV e das hepatites
virais, bem como enfrentam maior dificuldade de acesso a serviços em função do
estigma e do preconceito em relação ao uso de drogas.
No Brasil, estudo
realizado pela Fiocruz revelou que pessoas que fazem uso de crack e/ou
similares apresentam uma prevalência do HIV oito vezes mais alta do que a
população em geral.
Portanto, para além da
relação direta entre uso de drogas injetáveis de forma não segura e a
transmissão do HIV ou da hepatite C, estudos tem demonstrado que é preciso
considerar também a maior vulnerabilidade de pessoas que fazem o uso de
estimulantes como a cocaína e anfetaminas e sua relação com o sexo
desprotegido.
Três quartos da população
global ainda não têm acesso a medicamentos contendo drogas narcóticas e tem
tratamento inadequado para tratar dores moderas a fortes. A importância de
disponibilização de medicamentos essenciais, que tipicamente incluem drogas
controladas foi reconhecida na meta 3.b dos ODS.
ODS 5 - Alcançar igualdade de gênero e
empoderar todas as mulheres e meninas
Aponta para a necessidade
de que políticas sobre drogas reconheçam que há diferenças importantes entre
homens e mulheres que fazem uso de drogas em relação aos padrões de uso e
também às vulnerabilidades associadas.
Pela predominância
masculina no uso de certos tipos de drogas, há o risco de que a rede de cuidado
possa não corresponder às especificidades das demandas de mulheres que fazem
uso de drogas, representando barreiras no acesso aos serviços.
Mulheres com quadro de
dependência de drogas e que vivem com HIV em geral são mais vulneráveis e
estigmatizadas do que homens. Essas mulheres tem mais chance de terem sido
vítimas de violência e abuso, em especial de violência doméstica.
Neste sentido, vale
ressaltar mais um dado da pesquisa realizada pela Fiocruz entre usuários de
crack e/ou similares, na qual a proporção de mulheres que relataram ter sofrido
violência sexual alguma vez na vida foi seis vezes maior que a relatada pelos homens
(respectivamente, 46,63% e 7,49%). O que demonstra a necessidade e o desafio
para os países, incluindo o Brasil, de desenvolver políticas e ações que
incluam a perspectiva de gênero.
Mulheres infratoras,
especialmente com algum transtorno relacionado ao uso de drogas, enfrentam
várias barreiras no sistema de justiça criminal, visto que em geral esses
sistemas não são devidamente equipados para atender suas especificidades.
ODS 1 - Acabar com a pobreza em todas as
suas formas e em todos os lugares
O uso de drogas
geralmente afeta as pessoas durante seus anos mais produtivos, prejudicando o
seu desenvolvimento e de suas comunidades. O problema das drogas afeta, ainda
que de forma variada, países tanto desenvolvidos como em desenvolvimento.
A relação entre
desenvolvimento econômico e drogas é particularmente evidente no caso do
cultivo ilícito de drogas. Em áreas rurais, elementos socioeconômicos, como
pobreza e a falta de uma cultura de subsistência sustentável são fatores de
risco que levam fazendeiros a se engajar na cultivação ilícita, que também é
uma manifestação de escassos níveis de desenvolvimento ligados à segurança e
governança.
ODS 16 - Promover sociedades pacífica e
inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar acesso à justiça
para todos e construir instituições responsáveis e inclusivas em todos os
níveis
Esse objetivo diz
respeito principalmente aos esforços em fortalecer o Estado de Direito e o
acesso à justiça e combater a corrupção e o crime organizado. O uso de drogas
desencadeia diferentes níveis de violência, relacionados com o seu efeito psicoativo
ou como meio de obter recursos para sua compra.
Em relação ao acesso à
justiça, no Brasil é importante destacar o desafio do acesso à justiça em
relação às mulheres, segundo o relatório do Ministério da Justiça sobre
mulheres encarceradas, no período de 2000 a 2014 o aumento da população
feminina foi de 567,4%, enquanto a média de crescimento masculino, no mesmo
período, foi de 220,20%.
Isso reflete, assim, a
curva ascendente do encarceramento em massa de mulheres. São mulheres jovens,
têm filhos, são as responsáveis pela provisão do sustento familiar, possuem
baixa escolaridade, são oriundas de extratos sociais desfavorecidos
economicamente e exerciam atividades de trabalho informal em período anterior
ao aprisionamento.
Em torno de 68% dessas mulheres
possuem vinculação penal por envolvimento com o tráfico de drogas não
relacionado às maiores redes de organizações criminosas.
Portanto, o desafio de
que a política de drogas no Brasil e na região tenham uma perspectiva de gênero
é fundamental.
Cabe aqui também destacar
a recente decisão do STF, tirar o caráter hediondo da condenação de dois homens
condenados por tráfico de drogas que eram réus primários, tinham bons
antecedentes, não se dedicavam ao crime nem integravam uma organização
criminosa.
Esta decisão certamente
terá impacto futuro na questão da superlotação carcerária causada por penas que
tem sido consideradas, inclusive por próprios ministros do STF como
“desproporcionais” em relação a condutas de pequenos traficantes, sobretudo
mulheres.
Dados de 2014 do
Ministério da Justiça apontam no país uma população carcerária de 622.202
pessoas, das quais 174.216 (28%) foram condenadas por delitos relacionados às
drogas.
ODS 17 - Fortalecer os meios de
implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento
sustentável
Esses objetivos têm uma
relação forte com os princípios de cooperação internacional e responsabilidades
compartilhadas, incorporados nas convenções de controle de drogas. Entretanto,
assistência oficial para o desenvolvimento aumentou, enquanto assistência para
setores relativos a drogas diminuiu significativamente desde 2008.
Esforços para eliminar
cultivo ilícito podem impactar fonte de renda e oportunidades de emprego de
camponeses. Pesquisas mostram que esses esforços só terão um impacto positivo
se eles incluírem medidas de desenvolvimento que garantam alternativas de
subsistência e restaurem a segurança e a força da lei.
Intervenções que visam a
fortalecer a influência da lei, o alicerce do desenvolvimento sustentável,
podem influenciar a disponibilidade de drogas no mercado ilícito ao reduzir o
abastecimento através da interdição e aumentando o risco para os traficantes.
Isso leva a um aumento de preço nos mercados consumidores.
Entretanto, isso pode
gerar violência, especialmente quando afetam a estrutura interna e externa
desses mercados ilegais. Esses esforços devem ser pensados a longo prazo e
direcionados a todos os protagonistas e elementos do tráfico de drogas, pois,
caso contrário, podem gerar um aumento de violência.
Prevenção, intervenção
precoce, reabilitação, cuidados e medidas de integração social para usuários de
drogas, baseados em evidências científicas, reduzem o uso de drogas e seus
efeitos na saúde pública, um dos componentes mais importantes do bem-estar da
sociedade. Esses benefícios afetam tanto os usuários quanto a sociedade em
geral, mostrando-se eficazes na prevenção de HIV e hepatites virais.
Fonte:
ONU/UNODC