Por Altamiro Vilhena
Pediatra e diretor clínico do Hospital da Criança Santo Antônio, Boa Vista, RR
Quando nós, brasileiros,
vemos os problemas ligados às migrações de refugiados em países árabes e
africanos, nunca nos damos conta que este tipo de problema pode estar bem perto
de nós. E é isto que acontece com a migração de venezuelanos em busca de
refúgio humanitário que vem para o Brasil, especialmente para o menos populoso
estado da federação: Roraima.
A chegada de cerca de 45
mil venezuelanos em um período de cerca de dois anos afeta todo Estado,
especialmente a capital Boa Vista, que possui população estimada em cerca de
350 mil pessoas. A conta é fácil. Imagine você, que está lendo este texto, que
em um período de cerca de dois anos, a cidade onde você mora receba mais de 10%
do total atual de moradores de pessoas novas. Todos fugindo de um país onde
passam dificuldades econômicas severas e muitos em situações de vulnerabilidade
extrema. Para complicar ainda mais esta situação, como Roraima tem uma
industrialização quase inexistente, a oferta de empregos é bastante limitada e,
com certeza, não atende aos anseios dos que chegam, que acabam se dedicando a
atividades informais pouco remuneradas.
Dá para entender porque
os serviços de saúde, que se planejam com base na população e nos atendimentos
dos anos anteriores, não estejam conseguindo dar conta de forma ágil a todas as
novas situações que surgem. Segundo dados da Secretaria de Saúde de Roraima,
entre 2014 e 2017, o atendimento a pessoas oriundas do país vizinho saltaram de
760 pessoas para 15.055. No Hospital Materno-Infantil Nossa Senhora de
Nazareth, única maternidade do Estado, somente no primeiro semestre de 2018
foram realizados 571 partos de venezuelanas, mais de dez por centro do total de
partos.
Além do impacto direto
nos serviços, há impacto nas finanças. Dados do Sistema de Informações sobre
Orçamentos Públicos em Saúde mostram que, somente em 2017, foram gastos mais de
70 milhões com imigrantes venezuelanos nas unidade de atendimento roraimenses.
Em 2016, o total não chegou a 9 milhões.
Alguns dos que vêm, tem
como objetivo principal garantir a saúde de um ente querido. Carmen viajou
quase 800km para chegar a Boa Vista grávida de mais de oito meses de gestação.
Todo este sacrifício tem uma justificativa clara: Dannelys, sua filha de oito
anos teve diagnosticado recentemente um tipo raro de sarcoma na mandíbula. Com
a crise no país vizinho, não há opção de tratamento, então mesmo tendo
recursos, tiveram que deixar seu país. Já Pinar conta que não tinha opção.
Estava passando fome com sua família, e nas semanas que demorou até chegar ao
país seus filhos ficaram muito desnutridos. O menor está internado na UTI
pediátrica do Hospital da Criança Santo Antônio, único hospital infantil do
Estado, gerido pela prefeitura municipal de Boa Vista.
A situação das crianças
que chegam, em muitos casos, é bastante precária. Além das dificuldades em seu
país de origem, muitas famílias contam apenas com a ajuda do governo e da
sociedade para obter alimentação no Brasil, itens de higiene e outras
necessidades básicas. Isso faz com que o índice de desnutrição seja bastante elevado
entre as crianças, com presença de doenças consideradas pouco frequentes em
crianças brasileiras da mesma idade.
Dentre as crianças atendidas foram dezenas
de casos de sarampo, uma criança com difteria e vários pacientes com
tuberculose, além dos muitos desnutridos graves. Todas doenças relacionadas
diretamente com a falta de imunização e com condições sociais precárias.
Soma-se a isso o fato da vacinação não ser obrigatória no país vizinho e os
índices de cobertura serem bastante baixos, o que favorece o surgimento de
muitas doenças. Somente o sarampo, considerado erradicado no Brasil a partir de
2001, desde fevereiro deste ano já teve mais de 200 casos confirmados, tendo
ocorrido dois óbitos em crianças.
A maior parte dos que
chegam permanecem em abrigos superlotados, o que é agravado pelo fato do
Estado, localizado no hemisfério norte, estar no período de inverno, e, como é
característico na Região Norte, com chuvas torrenciais diariamente há cerca de
dois meses. Assim, somam-se aos problemas já existentes, as epidemias de
diarreia e o aumento do número de doenças respiratórias, como pneumonia, asma,
sinusite e gripe.
Embora existam algumas
ações das forças armadas, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa
- e até mesmo da Organização Pan-Americana de Saúde, todas as iniciativas
até agora foram pouco efetivas para conter o avanço das doenças e para melhorar
o estado de saúde, especialmente das crianças. Sozinhos, o Estado de Roraima e
o município de Boa Vista não têm condições de enfrentar as dificuldades que se
impõem diante desta crise.
Como não há perspectiva de mudanças econômicas a
curto prazo no país vizinho, a tendência é que o fluxo migratório se mantenha,
com migrantes em condições de saúde cada vez piores, o que coloca em risco toda
a população. É importante que as autoridades tracem planos viáveis, articulados
e efetivos para a assistência à saúde desta população. No mundo de hoje, onde
as fronteiras são pouco mais do que linhas em mapas, onde o fluxo de viajantes
é sempre intenso e veículos e cargas são transportados para todos os lados, não
há mais doença local, os agentes infecciosos têm capacidade de se deslocar tão
rapidamente quanto nós. Ajudar quem necessita já não é apenas opção de caridade
ou altruísmo, mas questão de saúde pública e proteção.
*Os artigos
publicados no Blog Saúde e Bem Estar são escritos por especialistas convidados
pelo domínio notável na área de saúde. As publicações são de inteira
responsabilidade dos autores, assim como todos os comentários feitos pelos
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