Imagine
só a seguinte situação: você quer tomar uma vacina contra a gripe. Mas em vez de
procurar o posto de saúde mais próximo, ou mesmo aquela clínica particular que
vai cobrar um valor considerável pelo procedimento, você faz uma compra
on-line, recebe a dose e uma seringa com microagulha pelo correio e aplica em
si mesmo o produto.
Simples?
Sim. Impossível? Na verdade, não.
Pelo
menos é isso que querem mostrar cientistas da área de imunologia.
Um
grupo de 14 pesquisadores de universidades americanas, canadenses e israelenses
publicou nesta quarta-feira um artigo no periódico científico Science Advances
explicando a tecnologia - que, no estudo, foi feita para uma cepa letal de
gripe, mas que na vida prática poderia ser aplicada a outros tipos de vacinas.
Os
pesquisadores criaram um medicamento para injeção intradérmica - ou seja, na
pele, entre a derme e a epiderme -, o que facilita muito o esquema
self-service: essa aplicação é fácil e pode ser feita mesmo que a pessoa não
tenha nenhum conhecimento médico.
A
maioria das vacinas hoje é aplicada com injeção subcutânea, que atinge camadas
mais profundas do tecido e, por isso, só pode ser administrada por alguém com
conhecimento médico.
As
vacinas contra a gripe, por exemplo, são aplicadas no músculo deltoide, que
recobre o ombro. Para adultos, usa-se uma agulha que pode chegar a 3,8
centímetros de comprimento.
O
método desenvolvido pela equipe atingiu bons resultados tanto em furões -
usados para verificar a eficácia dos medicamentos - quanto em humanos, mesmo
quando foi testada uma das variedades mais nocivas do vírus da gripe.
O
procedimento, conforme explica o artigo, é todo feito sem o auxílio de um
profissional.
Pelo
mecanismo, o aplicador utiliza uma microagulha que, a partir da pele, pode
penetrar nos tecidos profundos ou vasos sanguíneos.
"Um
dia, isto pode ser enviado pelo correio para autoadministração. Isso poderia
aliviar grandemente as multidões em centros de saúde no caso de um surto ou de
uma pandemia", afirmam os cientistas no estudo.
O
artigo ainda lembra que, mais do que mutirões para aplicar vacinas, um grande
desafio enfrentando em períodos críticos, de pandemias, é justamente a produção
e a distribuição das vacinas - e a autoaplicação facilitaria a disseminação dos
agentes imunológicos na população.
Vacinas turbinadas
Para
melhorar a qualidade das vacinas, os cientistas têm utilizado adjuvantes -
aditivos, ou melhor, agentes químicos que tornam as tornam mais eficazes -, que
aumentam a resposta imunológica do organismo.
O
bioquímico Darrick Carter, do Instituto de Pesquisas de Doenças Infecciosas de
Seattle, nos Estados Unidos, combinou três tecnologias para obter um produto
eficiente e seguro. Sempre, ressalta-se, por meio da tal microagulha.
Carter
utilizou ainda uma técnica alternativa ao uso do vírus inativado, a chamada
vacina recombinante, para produzir uma resposta imunológica ainda mais forte.
Por
fim, o pesquisador fez com que fosse aplicado, junto à vacina, um adjuvante à
base de um lipídio que pode aumentar sua eficácia - pelo menos este foi o
resultado observado em furões.
Depois
de testada em animais, a vacina contra a gripe foi utilizada em 100 humanos.
Não foram registrados efeitos adversos e os resultados foram positivos.
De
acordo com os pesquisadores, o sucesso do teste permite um planejamento para
que, num futuro próximo, seja realidade a ideia de a população receber um
pacote com vacina e dispositivo para aplicação intradérmica com facilidade,
pelo correio.
Reforço na produção de vacinas
Também
hoje, o periódico especializado Vaccine publicou uma pesquisa que pode ser um
avanço na outra ponta da questão das vacinas: a produção.
Os
cientistas descobriram uma maneira, utilizando feixes de laser, para medir
rapidamente a infectividade viral (a capacidade de um agente de causar
infecção) no desenvolvimento e na produção das vacinas.
Isso
significa melhorar a efetividade dos medicamentos, "acertando" com
mais destreza a carga viral da vacina.
No
artigo, os pesquisadores, das empresas Thermo Fisher Scientific e LumaCyte,
mostram como o laser possibilita que cientistas analisem rapidamente as vacinas
virais. Com a maior precisão, a ideia é que o desenvolvimento de medicamentos
seja acelerado, com um grau de eficácia mantido.
"Muitas
vacinas utilizam o próprio vírus para a criação de uma resposta imunológica no
corpo. Assim, a medição da concentração dos vírus infecciosos é crítica para a
segurança e eficácia das doses", explicam os cientistas.
A
quantificação viral durante uma doença, enquanto ela é manifestada, é muito
importante: afinal, atrasos na produção e distribuição da vacina podem ter
efeitos sérios no dia a dia das pessoas.
Em
geral, hoje em dia, essa medição é feita por meio do que se chama "teste
de placas de lise". Isso significa que amostras da vacina são colocadas em
uma superfície pequena e, por meio de observação microscópica, analisa-se a
disseminação - ou não - do vírus. Um processo, portanto, menos acurado e menos
ágil do que a novidade proposta.
Os
cientistas acreditam que, com o novo método, gargalos do processo sejam
eliminados. E, em breve, vacinas mais eficazes estejam disponíveis para males
como ebola, zika vírus e influenza, a gripe.
Gripe
A
maior dificuldade na imunização contra a gripe é a rápida mutação das cepas do
vírus, que mudam praticamente a cada nova temporada de vacinação.
Cientistas,
entretanto, têm trabalhado para que, em breve, esteja disponível uma vacina
"universal" contra a doença - o que eliminaria a necessidade, por
exemplo, de campanhas anuais de imunização, como ocorre no Brasil, sobretudo
focadas na população mais idosa.
Estudo
publicado no ano passado na revista Scientific Reports mostra que uma das
estratégias que vêm sendo testadas pelos cientistas é a criação de uma vacina
que combata a "raiz" do vírus da gripe, em vez do vírus de modo
geral. Isto faria com que toda a árvore genealógica do agente infeccioso fosse
combatida.
Esta
é a ideia de pesquisadores do centro médico da Universidade de Rochester,
instituição localizada ao norte de Nova York, nos Estados Unidos.
Para
explicar o conceito, os cientistas envolvidos no projeto fazem uma analogia com
uma flor comum. Eles afirmam que há uma proteína, chamada hemaglutinina, que
tem a capacidade de cobrir o exterior do vírus da gripe. Esse efeito é
semelhante ao de uma flor: há o talo e a cabeça, o caule e as pétalas.
Até
então, as vacinas são todas focadas na cabeça, ou seja, a parte do vírus que
acaba sendo a mais exposta - e, consequentemente, aquela que mais muda
evolutivamente, no esforço para escapar das defesas imunológicas.
Os
cientistas utilizaram supercomputadores para analisar as sequências genéticas
dos vírus da gripe H1N1 em circulação entre humanos desde 1918. Em laboratório,
o vírus foi manipulado e juntado com anticorpos humanos. O software de
computador encontrou variações evolutivas no vírus tanto na cabeça quanto no
caule - mas, segundo os cientistas, a variação observada na cabeça sempre foi
muito maior.
"Uma
vacina contra a gripe universal baseada no caule seria mais amplamente
protetora do que as que usamos agora, mas essa informação deve ser levada em
conta à medida que avançamos com pesquisa e desenvolvimento", afirma o
professor de microbiologia e imunologia David J. Topham, um dos autores da
pesquisa.
"É
muito mais difícil promover as mutações no caule do vírus, mas não é
impossível."
Dados
Segundo
a Organização Mundial da Saúde (OMS), mesmo com intensas campanhas de vacinação
ao redor do mundo, estima-se que 1 bilhão de pessoas, em todo o mundo estejam
infectados com o vírus da gripe. Os casos graves estão entre 3 a 5 milhões por
ano - que causam de 300 mil a 500 mil mortes decorrentes da doença.
Nos
Estados Unidos, as vacinas existentes ainda hoje protegem de 40% a 70% da
população, também de acordo com dados da OMS.
Fonte: BBC Brasil
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