A chegada do inverno e a
queda na cobertura vacinal em todo o Brasil acendem um alerta: além do risco da
volta de doenças já erradicadas no país, como
sarampo e poliomielite - pacientes com caxumba também voltam a
elevar a procura por atendimento em emergências de hospitais e postos de saúde.
O Ministério da Saúde não
tem dados consolidados sobre a doença no Brasil, já que ela não é de
notificação compulsória, ou seja, as unidades de saúde não são obrigadas a
registrar quantos casos atendem.
No entanto, informações
coletadas de veículos de comunicação e secretarias da saúde revelam que ao
menos seis Estados - São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Sergipe e
Amazonas - registram surtos cada vez maiores da doença desde 2016.
No Estado de São Paulo,
foram observados dez surtos de caxumba em 2018, com 55 casos. Em 2017, foram
141 surtos com 739 casos, segundo dados da Secretaria de Saúde do Estado. No
Rio de Janeiro, só a capital registrou 19 surtos em 2017.
O surto ocorre quando há
dois ou mais casos de uma doença em um mesmo local, como escola, creche,
empresa, entre outros. Em todos os Estados, a ocorrência da infecção foi
registrada principalmente em adolescentes e jovens.
O inverno é uma das
estações mais propícias a surtos da caxumba, que causa inchaço das glândulas
salivares e atinge principalmente crianças e adolescentes. A outra é a
primavera.
As vacinas contra a
doença são a tríplice viral (que imuniza contra sarampo, caxumba e rubéola) e a
tetra viral (sarampo, caxumba, rubéola e varicela), que estão no Calendário
Nacional de Vacinação. Mas mesmo quem já tomou pode estar desprotegido contra a
doença, de acordo com especialistas.
De acordo com
especialistas, essa desproteção ocorre porque a vacina normalmente tem uma
eficácia menor contra esta doença em comparação às outras doenças contra a qual
é utilizada - e que tende a diminuir com o tempo.
"As duas doses da
vacina tríplice viral protegem muito bem para o sarampo e muito bem para a
rubéola, mas têm uma eficácia mais baixa para caxumba - cerca de 60% com uma
dose só e 80% com duas doses. E essa eficácia se perde com os anos", disse
à BBC News Brasil a pediatra Isabela Ballalai, presidente da Sociedade
Brasileira de Imunizações (SBIm).
"Isso não quer dizer
que todos os vacinados terão caxumba, mas acontece."
Quais os sintomas da caxumba?
A caxumba, ou parotidite
infecciosa, costuma causar febre, dor e aumento de volume de uma ou mais
glândulas salivares e, às vezes, das glândulas sublinguais ou submandibulares -
o que causa inchaço na região do pescoço e da mandíbula.
No entanto, de acordo com
o Ministério da Saúde, cerca de um terço dos casos pode não apresentar
sintomas.
Mesmo assim, a doença é
contagiosa, e é transmitida por gotículas de saliva expelidas no ar ou pelo
contato direto com a saliva de pessoas infectadas.
Caxumba mata?
Em nota à BBC News
Brasil, o Ministério da Saúde afirmou que a caxumba "é uma doença com uma
taxa de complicações muito baixa e quase nunca fatal". Em 2017, 56 casos
da infecção levaram à morte.
Os casos de complicações
maiores ocorrem quando a doença provoca pancreatite (inflamação no pâncreas) ou
encefalite (no sistema nervoso).
O tratamento é voltado
para aliviar os sintomas.
A caxumba pode "descer"?
Sim. Em 20% a 30% dos
casos, segundo o Ministério da Saúde, a caxumba pode afetar também as glândulas
dos testículos, cerca de quatro a sete dias após o inchaço das glândulas no
pescoço ou mandíbula. Esse tipo de inflamação se chama orquite.
No caso das mulheres
acima de 15 anos de idade, pode acontecer também a mastite (inflamação no
tecido da mama), em cerca de 15% das ocorrências.
E em 5% das vezes, a
doença causa ooforite, inflamação nos ovários. Os sintomas incluem febre e dor
na parte inferior da barriga.
A caxumba já foi erradicada alguma
vez no Brasil?
Não. É uma doença
sazonal, o que significa que ela ocorre periodicamente.
"A incidência dela
diminuiu bastante após a vacina no Brasil - antigamente toda criança tinha. Mas
é difícil erradicá-la, especialmente porque a única vacina disponível tem uma
eficácia menor para ela", diz Ballalai.
O país não tem dados
consolidados sobre a doença, mas alguns Estados costumam registrar a quantidade
de surtos que ocorrem a cada ano. Nos últimos anos, segundo Isabela Ballalai,
os surtos têm ocorrido principalmente em adolescentes e jovens.
"O que observamos
nesses surtos é que muitos dos jovens não foram vacinados adequadamente com a
segunda dose, e isso é um problema. Só uma minoria tinha a vacina
correta", diz Ballalai
Por que os casos vêm aumentando?
A prevenção da caxumba é
feita pela vacina tríplice viral, administrada aos 12 meses de idade e, pela
vacina tetra viral, aplicada aos 15 meses de idade.
No entanto, segundo dados divulgados esta semana pela Unicef, a
agência da ONU para a infância, a quantidade de crianças que recebeu a segunda
dose de proteção caiu de 77% em 2016 para 41% em 2017.
"Acho que a queda
nessa cobertura vacinal tem a parte do governo e da população. O Programa
Nacional de Imunização, que é modelo para o mundo inteiro, é espetacular, mas
não basta ter vacinas, postos de saúde e equipes bem estruturados. É preciso
fazer uma busca ativa das famílias", disse à BBC News Brasil a pediatra
Cristina Duarte, diretora da Clínica Neovacinas.
"Se estava tendo uma
diminuição da aplicação da segunda dose, as famílias tinham que ser buscadas.
Isso provavelmente não foi feito."
Para Duarte, a influência
de movimentos antivacina nas redes sociais também pode ter contribuído para que
menos crianças de 15 meses tenham sido vacinadas com a tetra viral no último
ano.
"Uma das avaliações
da pasta sobre a queda nas coberturas vacinais no país é o próprio sucesso das
ações de imunização - que teve como resultado a eliminação da poliomielite, do
sarampo, da rubéola e síndrome da rubéola congênita - e que pode ter causado em
parte da população a falsa sensação de que não há mais necessidade de se
vacinar", disse o Ministério da Saúde.
"Outra ponderação é
que no Brasil há um desconhecimento individual sobre a importância e benefícios
das vacinas. (...) Por isso, é necessário ressaltar a importância da imunização
e desmistificar a ideia de que a vacinação traz malefícios. As vacinas são
seguras e passam por um rígido processo de validação."
Quem deve tomar a vacina?
O Ministério da Saúde
recomenda que crianças de 12 meses a menores de 5 anos recebam uma dose de
tríplice viral aos 12 meses e uma de tetra viral aos 15 meses.
Crianças de 5 a 9 anos
que não foram corretamente vacinadas antes devem tomar duas doses de tríplice
viral, com intervalo mínimo de 30 dias entre elas.
Da mesma forma, pessoas
dos 10 aos 29 anos que não foram vacinadas ou não têm certeza de que foram
devem tomar duas doses da tríplice.
Pessoas de 30 aos 49 anos
podem tomar apenas uma dose desta vacina. A partir desta idade, deve ser
avaliada a necessidade da imunização caso a caso.
No caso específico da
caxumba, mesmo que você já tenha sido corretamente vacinado quando criança, os
médicos podem recomendar uma terceira dose da vacina tríplice viral se a sua
escola, universidade ou ambiente de trabalho tiver um surto de caxumba.
"Mas realmente só em
situações de surto. Não é recomendado fazer à toa", afirma Isabella
Ballalai.
Não sei se tomei a vacina quando
criança, nem se fui vacinado(a) na idade correta. Devo tomar de novo?
Sim. Se você é adulto e
tomou apenas uma dose da vacina ou recebeu a imunização antes de 12 meses de
idade deve se imunizar novamente, segundo Isabella Ballalai, da SBIm.
"Na dúvida, é melhor
vacinar. Além de prevenir a caxumba, não podemos deixar o sarampo e a rubéola,
que são doenças mais graves, voltarem", diz.
A vacina tríplice viral
só passou a ser oficialmente recomendada em todo o país a partir dos 12 meses
de idade em 2004. A segunda dose, com a proteção adicional contra a varicela
(tetra viral) inicialmente, era administrada entre 4 e 6 anos de idade. Em
2014, passou a ser recomendada aos 15 meses.
Antes disso, havia
campanhas específicas de vacinação e os Estados adotaram a vacina em seu
calendário em diferentes momentos. Por isso, algumas pessoas podem ter tomado
apenas uma dose quando crianças, e estarem menos protegidas.
Já tive caxumba. Devo me vacinar?
Quem já teve caxumba fica
imunizado permanentemente contra a doença, esclarece Ballalai.
"Uma confusão pode
acontecer porque há outros vírus que causam um quadro semelhante, então algumas
pessoas acham que tiveram caxumba duas vezes. Mas isso não acontece."
Mesmo assim, ela ressalta
a importância de levar em contra as outras doenças contempladas pela vacina - o
sarampo e a rubéola.
"Independentemente
de você ter tido caxumba, se você não teve as três doenças e ainda não foi
vacinado corretamente, deve, sim, tomar a vacina", diz.
Onde tomar a vacina?
A vacina tríplice viral
está disponível em toda a rede pública de saúde gratuitamente. Alguns planos de
saúde também cobrem a vacina na rede privada.
Fonte:
BBC Brasil
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