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Roy é um dos personagens de 'Island' |
Em seu leito no hospital, um homem
suspira. Sua respiração cessa e ele abandona a vida.
A
câmera, posicionada bem ao seu lado, continua gravando. Vemos enfermeiras
movê-lo para outro quarto antes de gentilmente limpar seu corpo.
"Ninguém
quer morrer, mas é algo natural. Estamos biologicamente programados para
morrer", diz o documentarista Steven Eastwood.
Seu
filme Island (Ilha) expõe o processo da morte ao registrar as doenças terminais
de quatro pessoas.
Não
há previsão de estreia do filme no Brasil. Ele está sendo exibido no Reino
Unido.
"A
morte é vista como algo vergonhoso. Pensamos que somos uma sociedade
progressista, mas reprimimos e negamos a morte", diz o diretor.
"Dizer que não queremos que aconteça é postergar algo que não queremos
encarar."
Ele
foi um espectador silencioso do último ano das vidas dos personagens de seu
filme, gravando-os em suas casas antes de terem de se mudar para um centro de
cuidados paliativos em Isle of Wight, uma ilha na costa sul da Inglaterra.
"Precisamos
de maior conscientização sobre a morte para nos familiarizarmos mais com nossa
mortalidade. Não acho que isso seja um absurdo."
Ele
fala com carinho sobre o tempo em que viveu o cotidiano da instituição.
"Há quatro pessoas de quem eu gostava muito lá - Alan, Roy, Mary e Jamie;
três tinham 80 e poucos anos e um tinha 40 e poucos."
O
diretor viajava 5 horas para o centro de cuidados. Fazia viagens de barco à
ilha - o hipnótico trajeto e as paisagens por trás dele aparecem no
documentário.
O
filme foi feito depois de dois processos de luto pelos quais passou o diretor -
os de sua sogra e de seu melhor amigo, que tinha a mesma idade que ele.
"Eu me toquei, então, de que não sabia muito sobre o que era cuidado
paliativo."
Para
Eastwood, precisamos encarar a "realidade da morte, fazê-la parte de nossa
existência diária, para sentirmos menos medo".
"Acho
que todos nós temos um medo existencial. 'Se eu vir alguém que eu amo morrendo,
será muito traumático. A cena vai substituir as imagens que eu tenho da pessoa
e eu vou me machucar, porque nunca mais vou conseguir me esquecer dela'."
"Mas
para mim, não é assim. Estar com alguém enquanto ela está morrendo, com tamanha
intimidade, é empoderador e traz paz."
Ele
diz ter uma admiração enorme por pessoas que trabalham em centros de cuidados
paliativos e diz esperar que seu filme possa "celebrar e mostrar o que é o
cuidado paliativo". "As pessoas mais extraordinárias da nossa
sociedade são as que têm menos visibilidade."
"São
cuidadores. E o cuidado que recebemos no fim da vida é extraordinário."
Para
o diretor, os centros de cuidado paliativo não são lugares "mórbidos"
como se imagina, mas "são lugares vivos".
Ele
conta que, depois da exibição do filme na ilha, um morador o abordou dizendo
que o filme lhe fazia ter "menos medo de morrer". "Não é uma
ambição minha, mas será uma coisa boa se o público conseguir assistir ao filme
e ficar em paz com o fato de que algo vai acontecer com todos nós."
Eastwood
fala com carinho de todos os personagens que filmou. Fala longamente sobre
Alan, vítima de câncer e cuja morte vemos no começo do filme.
'Ele estava vivo para poder fumar'
"O
Alan fumava um cigarro atrás do outro desde seus 16 anos. Fumava também no
centro de cuidados paliativos - e uma enfermeira acendia seus cigarros. Mas ele
não estava morrendo de um tipo de câncer tradicionalmente ligado ao
cigarro."
"Isso
faz parte do cuidado paliativo - ajudar alguém fumar até sua morte", diz o
diretor. "Os médicos achavam que, se ele não tivesse fumando, ele teria
morrido semanas antes. Ele estava vivo para poder fumar."
O
diretor conta que, na segunda vez em que encontrou Alan, percebeu que tinham
uma conexão. O homem então lhe disse: "Acho que você gostaria de ficar
comigo até o final, e acho que será ótimo."
"Ele
queria fazer algo radical com sua morte. Ele se sentia radical em relação à
vida também. Acreditava que nosso corpo era só um veículo e que nos
transformávamos em outra coisa."
"Ele
não tinha vergonha de sua imagem. Achava que participando do filme
concretizaria sua filosofia. Virou a estrela do meu filme."
'Paz em seus olhos enquanto morria'
"Sua
morte foi longa. Ele ficou sem ar. Houve muita paz e beleza, e eu fiquei
tocado. Não me senti triste. Ele estava pronto para morrer", lembra
Eastwood.
Alan
disse a Steven que viu um homem morrer quando tinha só 19 anos, durante o tempo
que serviu no Exército no norte da África. Seu comandante levou um tiro e
morreu em seus braços.
"Ele
segurou aquele homem e disse que viu paz nos olhos dele enquanto ele morria, e
que entendeu que o que estavam experimentando não terminava ali. Havia
mais", conta.
Então,
diz o diretor, "a morte era algo pela qual ele estava esperando".
Jamie,
por sua vez, era jovem quando morreu. Tinha câncer de estômago em estágio
avançado - e era muito ligado à filha.
"Ele
queria morrer da melhor maneira possível com sua filha, então ele a envolveu em
tudo. Conversaram sobre seu tratamento e como seria a vida quando ele não
estivesse mais lá."
"A
morte dele é a única que me deixa triste quando penso a respeito", diz
Eastwood, que hoje é voluntário em um centro de cuidados paliativos.
Com
o filme, o diretor quer atrair uma audiência jovem, que ele acredita serem os
que mais negam a morte por causa da pressão para serem "produtivos, jovens
e bonitos".
O
filme também está sendo exibido para médicos em treinamento, em discussões
sobre como se fala sobre a morte com pacientes. Os produtores do filme
estabeleceram uma parceria com a NHS, o sistema de saúde público britânico.
O
diretor cita outras culturas que, em sua visão, lidam melhor com a morte. Na
Irlanda, diz ele, "há um processo mais claro de luto e uma familiaridade
maior com estar em torno de um corpo".
Ele
também fala sobre a América Latina e a Ásia, que têm uma atitude completamente
diferente em relação ao processo da morte.
"Precisamos
de uma educação melhor. Somos finitos, nosso corpo se decompõe, e eu estou paz
com isso. Eu me sentia mal-informado. Agora me sinto mais esclarecido depois de
fazer o filme. Espero que o filme faça isso para as outras pessoas."
Fonte: BBC Brasil
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