Suicídio é uma das principais causas
de morte de adolescentes no Brasil
Por
Maurício Brum e Sílvia Lisboa/BBC
Imediatamente
após ser lançada pelo serviço de streaming, em março de 2017, a série 13
Reasons Why provocou debates na imprensa e na área médica sobre os possíveis
efeitos de uma representação ficcional do suicídio em uma audiência predominantemente
jovem.
Na
série, a protagonista Hannah Baker grava fitas de áudio para seus antigos
colegas explicando as razões para ter tirado a própria vida - indicando,
principalmente, o bullying que havia sofrido.
Desde
então, especialistas em saúde mental têm apontado para os prováveis riscos de a
personagem principal ser imitada pelos jovens que viessem a assistir ao
seriado, por conta de uma glamourização excessiva do ato.
A
possível imitação causada pela série da Netflix foi analisada pela primeira vez
no Brasil no estudo recém-publicado por pesquisadores da UFRGS (Universidade
Federal do Rio Grande do Sul) no Journal of the American Academy of Child &
Adolescent Psychiatry, um dos mais importantes do campo.
Os efeitos da série no Brasil
"O
impacto social das obras de ficção ou do suicídio de celebridades sempre foi um
debate na área, mas há poucos estudos recentes que tenham avaliado
objetivamente a questão", explica o psiquiatra e professor da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Christian Kieling, líder do estudo.
O
fenômeno de reprodução suicida é conhecido pelos médicos como "efeito
Werther", e tem suas origens no século 18: o nome faz referência à obra Os
sofrimentos do jovem Werther, do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe,
que teria provocado um aumento nos suicídios após sua publicação.
Segundo
relatos da época, os jovens eram encontrados sem vida vestindo roupas
semelhantes às do personagem ou, ainda, com um exemplar do livro em mãos.
No
caso da preocupação levantada por 13 Reasons Why, comenta Kieling, somam-se
ainda questões atuais. Nas últimas décadas, o suicídio tem se firmado como uma
das principais causas de morte entre adolescentes no Brasil, atrás apenas do
trânsito e da violência interpessoal, categoria ampla que inclui assassinatos,
agressão, brigas, bullying, violência entre parceiros sexuais e abuso
emocional.
No
estudo feito por pesquisadores do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, foram
analisadas as respostas de 21.062 adolescentes para entender até que ponto a
série pode ter influenciado o pensamento e o comportamento dos consultados.
Após
a polêmica que se seguiu à primeira temporada, a própria Netflix havia
financiado um estudo sobre 13 Reasons Why nos Estados Unidos, mas a pesquisa
não abordou se a série aumentava ou não os pensamentos suicidas.
No
levantamento feito pelos pesquisadores da UFRGS, adolescentes do Brasil e dos
Estados Unidos, na faixa etária entre 12 e 19 anos, foram questionados sobre
ideação suicida antes e depois de assistir aos episódios - e também sobre a
forma como passaram a encarar o bullying após acompanhar a história de Hannah
Baker.
Entre
os adolescentes sem sintomas de depressão ou pensamentos suicidas antes de ver
a série, 4,7% responderam ter passado a pensar mais em tirar a própria vida, um
número considerado "preocupante" pelos autores do estudo.
Naqueles
mais vulneráveis – sofrendo com depressão e tendo cogitado o suicídio
anteriormente – o aumento foi ainda mais expressivo: 21,6% tiveram mais ideação
suicida após 13 Reasons Why. Por outro lado, nesse mesmo grupo, 49,5% disseram
ter passado a conviver com menos pensamentos suicidas após ver a série.
Outro
resultado que chamou atenção dos pesquisadores foi o impacto sobre o bullying.
Dos mais de 21 mil adolescentes, 41,3% disseram já haver praticado bullying.
Mas depois de ver 13 Reasons Why, 90,1% deles afirmaram ter passado a fazer
menos bullying.
"O
estudo indicou que os efeitos da série são múltiplos, o que demonstra a
complexidade do fenômeno", admite Kieling. "O efeito foi predominantemente
positivo, especialmente na questão do bullying. Mas os 4,7% das pessoas que não
tinham histórico de depressão e que passaram a pensar em suicídio nos
preocupou, pois é um número significativo dentro da maioria de crianças e
adolescentes que não têm o transtorno".
Cuidados ao representar o suicídio
Para
Alexandre Paim Diaz, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e um
dos coordenadores da campanha Setembro Amarelo de prevenção ao suicídio, o
estudo feito pelos pesquisadores da UFRGS reforça a necessidade de cuidados ao
abordar a temática na mídia.
"Há
estudos europeus e coreanos, que mostram um aumento do suicídio após se
noticiar a morte de atrizes e pessoas mais célebres", destaca Diaz.
"É
claro que não se pode afirmar com certeza a existência de uma causa-efeito, mas
os resultados sugerem uma associação, e levantam a questão para o cuidado com a
maneira como se noticia o suicídio".
O
psiquiatra, ligado à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), destaca que
o suicídio também é uma das principais causas de morte da população jovem em
nível mundial: a segunda na faixa etária entre 15 a 34 anos.
"É
importante que as pessoas que produzem um conteúdo artístico tenham consciência
de que a maneira como elas representam um tema tem impacto na sociedade",
argumenta.
"Nada
impede que se produza aquele conteúdo, mas com orientação, estimulando
discussão com profissionais, pais e professores sobre fatores de risco,
prevenção, sinais de alerta".
No
caso de 13 Reasons Why, entende Diaz, os dados levantados pela pesquisa
brasileira são significativos. "Quando pensamos que é 4,7% de milhares de
jovens que não tinham um sintoma de depressão ou ideação suicida e aumentaram
esse nível, é um número muito considerável. E o aumento é ainda mais importante
quando se trata de um grupo já vulnerável", diz.
"Quem
produz esses conteúdos tem que ter clareza de que eles podem ser nocivos a uma
parcela da população."
De
acordo com Christian Kieling, é importante que os pais monitorem o que os
filhos assistem. "Censurar não parece ser o caminho mais eficaz, mas é
preciso que eles abordem o assunto com os filhos", indica o especialista.
E
também aponta onde 13 Reasons Why poderia ter feito melhor: "A série não
mostra claramente que existem formas de buscar ajuda e, além disso, detalha
como a menina se matou, o que não é recomendado", avalia.
"Devemos
falar sobre suicídio. Escondê-lo não vai fazer o problema desaparecer. Mas
temos de ter cuidado ao retratá-lo, sem mostrar os meios", conclui.
Procurada
para comentar os resultados do estudo brasileiro, a Netflix não havia se
manifestado até a conclusão desta reportagem.
Em
junho, quando o serviço de streaming confirmou a terceira temporada de 13
Reasons Why em meio a controvérsias, o CEO Reed Hastings disse que ninguém era
obrigado a assistir.
"É
controverso, mas ninguém é obrigado a assistir. Somos um serviço sob demanda e
estamos felizes sobre a possibilidade da terceira temporada e ansiosos para dar
apoio ao time da série", afirmou, na ocasião.
Recentemente,
a Netflix lançou um PIN que permite aos pais controlar o acesso a determinados
conteúdos.
Além
disso, incluiu um vídeo antes de cada episódio da segunda temporada de 13
Reasons, no qual os próprios atores fazem alertas de como procurar ajuda para
os telespectadores que se sentiram abalados pelo drama de Hannah e de outros
personagens.
A
página da série também é voltada para dar apoio a telespectadores. Traz
telefones úteis de centros de apoio emocional e prevenção de suicídio ao redor
do mundo e vídeos extras que discutem as várias formas de bullying e violência
sexual nas escolas.
Na
descrição, ao pé da página, emite mais um alerta: "Esta série é
recomendada para maiores de 16 anos e aborda problemas como depressão,
violência sexual e suicídio. Se você estiver passando por um momento difícil,
ela pode não ser apropriada para você ou talvez seja melhor assistir na
companhia de um adulto."
*O Centro de Valorização da Vida
(CVV) dá apoio emocional e preventivo ao suicídio. Se você está em busca de
ajuda, ligue para 188 (número gratuito) ou acesse www.cvv.org.br
Matéria
original no site da BBC Brasil, disponível aqui.
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