Por Mariana Lenharo/BBC
Existe um consenso entre
os infectologistas de que as doenças sexualmente transmissíveis estão em alta
na população jovem do Brasil.
"Esta última
geração, que começou a vida sexual depois de 2010, tem um modo
diferente de encarar as DSTs", diz Alexandre Naime Barbosa, professor de
Infectologia da Unesp. A noção de que a Aids se tornou uma doença crônica e
tratável fez a adesão à camisinha diminuir muito, segundo ele.
No caso do HIV, o número
de novos casos anuais subiu quase 140% entre 2007 e 2017 na população em geral:
de 6.862 a 16.371, de acordo com o mais recente Boletim Epidemiológico de
HIV/Aids lançado pelo Ministério da Saúde. Entre jovens de 15 a 19 anos do sexo
masculino, o aumento chegou a 590%, segundo o mesmo documento.
No mesmo período, o
número de novos casos de sífilis aumentou em 133% entre mulheres grávidas,
segundo dados do Ministério da Saúde. O aumento de sífilis congênita em bebês
menores de um ano foi de 60%.
Não há dados nacionais
sobre casos de sífilis em outros grupos nem sobre outras infecções sexualmente
transmissíveis - como HPV, gonorreia e clamídia - porque elas não são de
notificação compulsória. Ou seja, as unidades de saúde não são obrigadas a
registrar cada caso diagnosticado. Porém, segundo especialistas que atuam em
centros de referência, a maioria está em alta entre os jovens.
Para piorar a situação,
bactérias sexualmente transmissíveis como Neisseria gonorrhoeae, Chlamydia
trachomatis e Mycoplasma genitalium estão se tornando
resistentes aos antibióticos mais comuns, o que exige o desenvolvimento de
esquemas de tratamento cada vez mais complexos.
O aumento de infecções
sexualmente transmissíveis não é exclusividade do Brasil, observa a
infectologista Lucy Cavalcanti Vasconcelos, membro da diretoria da Sociedade
Paulista de Infectologia. Ela afirma que não se pode culpar apenas a falta de
conscientização dos jovens pelo fenômeno, mas também uma falha generalizada dos
planos de prevenção, que por muito tempo focaram exclusivamente no uso do
preservativo.
A boa notícia é que novas
estratégias de prevenção estão sendo desenvolvidas e, para algumas dessas
doenças, a camisinha já não é mais o único meio de se proteger. Vacinas,
medicamentos preventivos e tratamentos pós-exposição fazem parte, junto com o
preservativo, de um arsenal anti-DST mais completo.
Métodos gerais de prevenção
A camisinha ainda é,
segundo a Organização Mundial da Saúde, um dos
métodos mais efetivos para prevenir as infecções sexualmente transmissíveis
quando usada de maneira correta e consistente. Apesar de o preservativo
masculino ser de longe o mais popular, o feminino é igualmente eficaz. O
infectologista Sidnei Pimentel, do Centro de Referência e Treinamento em
DST/Aids do Estado de São Paulo, reconhece que a camisinha feminina causa
estranheza por ter o dobro do tamanho da versão masculina. Mas é a solução
ideal para casos em que o parceiro tem dificuldade em manter a ereção com
camisinha.
Qualquer que seja a
escolha do preservativo, o ideal é usá-lo junto com gel lubrificante, para
diminuir o atrito e o risco de rompimento. Os dois tipos de preservativo estão
disponíveis de graça em qualquer serviço de saúde do SUS.
Pimentel lembra que é
importante se proteger inclusive durante o sexo oral, em que há risco de
transmissão de HPV, hepatites B e C, clamídia, gonorreia e HIV. As condições de
higiene da boca são determinantes para medir esse risco, segundo o especialista.
"O risco é maior quando a pessoa tem gengivite e locais de sangramento,
que são portas de entrada pra infecções", diz Pimentel. Quando o homem
recebe o sexo oral, recomenda-se o uso da camisinha. Quando a mulher recebe,
uma alternativa é usar filme plástico para cobrir a região genital.
A camisinha pode não ser
totalmente eficaz contra o HPV, pois áreas não cobertas pelo preservativo -
como os lábios da vagina, a base do pênis ou a bolsa escrotal - também têm
potencial de transmissão quando há fricção.
O diagnóstico precoce e o
tratamento também são estratégias importantes de prevenção. "Quando você
trata um paciente, está quebrando a cadeia epidemiológica e pode estar
prevenindo outras 10 infecções", diz Vasconcelos. Segundo ela, é preciso
haver um esforço maior para rastrear ativamente as infecções sexualmente
transmissíveis que deve envolver outros especialistas como ginecologistas,
urologistas, geriatras e hebiatras.
HIV
O HIV pode ser
transmitido por sexo vaginal, anal e oral. A infecção pode ainda ocorrer por
compartilhamento de seringas e outros objetos cortantes, como alicates, ou por
transfusão de sangue. A mãe também pode transmitir para o filho durante a
gestação, parto ou amamentação.
Desde dezembro de 2017, o
SUS oferece de forma gratuita a Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) para
grupos em que há mais prevalência de HIV no país, como homens que fazem sexo
com homens, pessoas trans, homens e mulheres profissionais do sexo e casais em
que uma das pessoas tem HIV e a outra não. Ao todo, 36 serviços de saúde
oferecem a PrEP pelo SUS atualmente no Brasil.
A PrEP consiste em tomar
um comprimido por dia do medicamento de nome comercial Truvada, que combina
duas drogas que inibem a replicação do HIV: tenofovir e entricitabina. Em
pessoas saudáveis que fazem sexo desprotegido, o medicamento impede que o HIV
se espalhe pelo corpo. "É como se colocasse uma pedra na engrenagem do
HIV", diz o infectologista Alexandre Naime Barbosa.
Mesmo quem não se
enquadra nos grupos contemplados pelo SUS pode fazer uso do método mediante
prescrição médica desde maio de 2017, quando a Anvisa aprovou a indicação do
Truvada para esse fim. Nesses casos, a compra da medicação na farmácia tem um
custo de cerca de R$ 300 ao mês.
Outra forma de prevenção
importante é a Profilaxia Pós-Exposição (PEP). O método consiste em usar
medicamentos antirretrovirais durante 28 dias após uma possível exposição ao
vírus HIV. O esquema, disponível gratuitamente pelo SUS, deve ter início no
máximo até 72 horas após a exposição. Indica-se o uso de PEP para pessoas que
tiveram relações sexuais desprotegidas, sofreram violência sexual ou tiveram
acidentes com agulhas ou outros objetos cortantes.
HPV (Papilomavírus Humano)
Apesar de não existirem
estatísticas nacionais sobre HPV, estima-se que esta seja a infecção
sexualmente transmissível mais frequente na população. Transmitido por sexo
vaginal, anal e oral, o HPV pode levar à formação de verrugas na genitália e no
ânus. Mas as consequências mais graves são câncer de colo do útero, de ânus, de
pênis, de boca e de garganta.
Um estudo feito pelo
Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre, em parceria com o Ministério da
Saúde, revelou uma prevalência de HPV de 53,6% nos jovens de 16 a 25 anos no
Brasil.
Além do uso do
preservativo, o SUS oferece como prevenção uma vacina quadrivalente que protege
contra o HPV tipos 6 e 11 (que provocam verrugas genitais), e 16 e 18 (que
causam câncer de colo do útero). A vacina está disponível gratuitamente para
meninas de 9 a 14 anos e meninos de 11 a 14 anos, além de pessoas de 9 a 26
anos que vivem com HIV. Para quem não faz parte dos grupos alvo, a vacina está
disponível em clínicas particulares por cerca de R$ 300 a dose.
Gonorreia e clamídia
A gonorreia e a clamídia são
doenças muito parecidas causadas pelas bactérias Neisseria gonorrhoeae e
Chlamydia trachomatis. Depois do HPV, estas são as infecções sexualmente
transmissíveis mais comuns no Brasil. Segundo um estudo publicado em 2005 pelo
Ministério da Saúde, a gonorreia foi detectada em 18,5% de uma amostra de
homens que procuraram atendimento em clínicas de DST de seis capitais
brasileiras e a clamídia em 13,1%.
Elas podem ser
transmitidas pelo sexo vaginal, anal e oral, portanto a melhor forma de
prevenção é o uso de preservativo. O principal sintoma é o corrimento uretral
ou vaginal, caracterizado pela saída de um líquido esbranquiçado pela uretra ou
vagina. As áreas afetadas também podem arder ao urinar.
Como é muito difícil
distinguir uma doença da outra por critérios clínicos, é indicado que se faça
um diagnóstico sindrômico - ou seja, que se identifique o grupo de doenças que
causam os mesmos sintomas - e que se aplique um tratamento com antibióticos que
funcione para as duas doenças. "O risco de esperar os resultados é o
paciente continuar transmitindo para outras pessoas e o quadro também pode
complicar", diz Barbosa.
Recentemente, o esquema
de tratamento da gonorreia e clamídia teve de ser atualizado pelo Ministério da
Saúde devido à resistência bacteriana.
Em casos de violência
sexual ou de sexo desprotegido com um parceiro que sabidamente estava infectado
com gonorreia ou clamídia, também se recomenda o uso preventivo dos
antibióticos como Profilaxia Pós-Exposição.
Mycoplasma genitalium
O Mycoplasma genitalium é
uma bactéria transmitida por relações sexuais que provoca sintomas parecidos
com gonorreia e clamídia. O mais comum é o corrimento uretral e vaginal, mas o
quadro também pode incluir ardência ao urinar, sangramentos, infertilidade e
complicações na gravidez. A principal forma de prevenção é o uso de
preservativo.
A situação epidemiológica
da doença no país ainda é desconhecida, segundo o professor da Universidade
Federal da Bahia Guilherme Barreto Campos, principalmente porque o teste para
detectar a infecção não está amplamente disponível para uso de rotina nos serviços
de saúde. Esse teste é complexo e exige uma estrutura tecnológica sofisticada.
Por isso no Brasil o tratamento é feito com uso de antibióticos que podem
tratar diferentes bactérias que levam a esses mesmos sintomas.
Uma preocupação recente
em relação ao Mycoplasma genitalium é a resistência da bactéria. Por isso, a
Associação Britânica de Saúde Sexual e HIV (BASHH, da sigla em inglês) lançou
em julho novas diretrizes de tratamento para tentar evitar que ela se
transforme na mais nova "superbactéria".
"No Brasil, os dados
sobre a prevalência e resistência são escassos, mas existe um aumento mundial
na prevalência de cepas resistentes a diversas drogas, o que torna o panorama
algo preocupante", diz Campos. Ele acrescenta que, com a atual
globalização, é fácil que bactérias resistentes possam chegar ao Brasil.
Estudos feitos por Campos
e seus colegas encontraram uma incidência de 28,1% da bactéria em uma amostra
de mulheres atendidas em serviços públicos de saúde na Bahia. "Consideramos
estes dados um alerta importante para os gestores de saúde tendo em vista que
existem poucas pesquisas epidemiológicas realizadas nas diferentes regiões do
país", afirma o pesquisador.
Sífilis
A sífilis pode ser
transmitida por relação sexual sem camisinha e também da mãe para o bebê
durante a gestação ou parto. A melhor forma de prevenção é o uso do
preservativo. No caso das gestantes, é importante fazer o teste em diferentes
momentos da gravidez e, caso detectada, tratar a doença o mais rápido possível
para evitar a transmissão para o filho. O tratamento consiste na administração
do antibiótico penicilina benzatina.
A doença pode se
manifestar em três estágios, caso não seja tratada. Os primeiros sinais são
pequenas feridas no pênis ou na vagina. Elas são indolores e, no caso das
mulheres, pode ser difícil identificá-las se aparecerem no colo do útero.
Depois de um período, essas feridas desaparecem espontaneamente. Esta é a
sífilis primária.
Após um tempo sem
sintomas, surgem manchas na pele que podem atingir todo o corpo, principalmente
a planta dos pés e a palma das mãos. Trata-se da sífilis secundária.
Na sífilis terciária, ela
pode acometer o sistema nervoso central, o sistema cardiovascular e vários
órgãos do corpo. A sífilis pode até matar.
Herpes genital
A herpes é uma doença
provocada por um grupo de vírus que podem ser transmitidos em relações sexuais,
mas também pelo contato direto com as lesões de uma pessoa infectada. A
prevenção se dá pelo uso de preservativo e evitando o contato com as feridas.
Essas lesões são um
grupamento de bolhas que, ao se romper, provocam dor. Elas podem aparecer em
qualquer lugar do corpo, mas os mais comuns são a boca, genitália e ânus.
Herpes não tem cura e os sintomas aparecem e desaparecem várias vezes ao longo
da vida. Mas existem tratamentos capazes de aliviar os sintomas.
Hepatites B e C
A hepatite B pode ser
transmitida pelo sexo e também pelo contato com sangue infectado por meio de
compartilhamento de seringas, alicates e outros materiais cortantes. Além do
uso do preservativo, a prevenção é feita por meio da vacina contra hepatite B.
O ideal é receber a vacina logo depois do nascimento. Outras três doses são
necessárias aos 2, 4 e 6 meses de vida. Quem não se vacinou nessa fase pode se
vacinar em qualquer idade. Neste caso, o esquema vacinal consiste em três doses
com intervalo de um mês entre a primeira e a segunda e de cinco meses entre a
segunda e a terceira.
Quanto à hepatite C, a
transmissão por sexo também é possível, porém mais rara em caso de sexo
heterossexual. Também é possível a transmissão por transfusão de sangue e
compartilhamento de kits de manicure não descartáveis. Para a hepatite C não há
vacina.
Ferramentas de prevenção
Camisinha
masculina e feminina: O preservativo, tanto masculino como
feminino, é uma das formas mais eficazes de se proteger contra infecções
sexualmente transmissíveis.
Profilaxia
Pré-Exposição: O uso diário do medicamento Truvada reduz
o risco de infecção por HIV, mas não protege contra outras infecções
sexualmente transmissíveis.
Profilaxia
Pós-Exposição: Após uma relação sexual desprotegida, é
possível evitar a infecção por HIV por meio do uso de drogas antirretrovirais
por 28 dias. O início do esquema deve ser até 72 horas após a exposição.
Vacina
contra HPV: Disponível no SUS para meninas e meninos
de 9 a 14 anos e meninos de 11 a 14 anos, a vacina quadrivalente protege contra
os principais subtipos de HPV que provocam câncer de colo do útero.
Vacina
contra hepatite B: Indicada para bebês recém-nascidos em um
esquema de quatro doses ou para pessoas de qualquer idade em esquema de três
doses.
Circuncisão:
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, a circuncisão masculina reduz em
60% o risco de infecção por HIV em relações heterossexuais e oferece alguma
proteção contra herpes e HPV.
Diagnóstico
e tratamento: A detecção precoce e tratamento também
são ferramentas potentes de prevenção, pois interrompem a cadeia de
transmissão.
Matéria original no site
da BBC Brasil, disponível aqui.
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