Por Luiza Franco/BBC
Já sentiu orgulho de si
por ter mantido uma dieta ou ido à academia? Já se sentiu
mal por não fazer uma dessas coisas? "Emagrecer x quilos" já fez
parte das suas resoluções de ano novo? A filósofa inglesa Heather Widdows, que
pesquisa nossa relação com padrões de beleza, diz que cada vez mais a beleza é
um ideal ético.
"Nos sentimos 'bons'
quando mantemos a dieta, vamos à academia. Nos sentimos displicentes quando
abandonamos a dieta, pulamos a academia. Falamos muito que não devemos 'nos
descuidar', que 'merecemos' estar bem. Achamos que se tivermos o corpo que
queremos teremos o relacionamento que queremos. Fazemos coisas desagradáveis
que são vistas como coisas boas porque 'você está investindo em você'",
diz.
A professora da
Universidade de Birmingham, na Inglaterra, lançou recentemente o livro Perfect Me (Princeton UP), em que
argumenta que ideais de beleza são mais rigorosos do que nunca, apesar de haver
mais diversidade de tipos de corpos na mídia.
À BBC News Brasil, ela
falou sobre o caso do Dr. Bumbum, preso depois que uma paciente,
que passou por procedimentos estéticos em seu apartamento, morreu: "Quanto
mais virmos beleza como uma virtude, mais faremos para ficar belos, e isso
torna mais provável que coisas desse tipo aconteçam com cada vez mais frequência."
Ela diz que é importante não culpar a vítima quando algo assim acontece.
"Devemos olhar coletivamente para o ambiente tóxico que criamos e pensar
em como mudá-lo. Culpar pessoas individualmente é totalmente improdutivo e
inadequado."
BBC
News Brasil - No seu livro, você argumenta que práticas de busca da beleza se
tornaram normais, quando não deveriam ser. Como isso foi mudando com o tempo?
Widdows
- Vamos pensar em exemplos históricos, coisas como o uso de corselete ou pés de
lotus (prática antiga da elite chinesa de amarrar os pés das meninas para que
eles não crescessem, algo que era considerado bonito). Não eram consideradas
coisas "normais". A mulher aristocrata chinesa podia até achar que
seu pé ficava bonito daquele jeito, mas não via aquilo como algo normal. Isso
valia para o resto da sociedade. Mas quando o ideal de beleza se tornou global,
práticas passaram a ser obrigações. Por exemplo, remoção de pelos: não é mais
visto como uma forma de se embelezar, mas como uma questão de higiene. Você vê
as mulheres falando que pelos são nojentos, anti-higiênicos, anormais. O corpo
"normal" é o corpo sem pelos.
BBC
News Brasil - É possível traçar paralelos entre o caso do Dr. Bumbum e as
conclusões da sua pesquisa?
Heather
Widdows - Achamos que as pessoas colocam a saúde acima da
beleza, mas cada vez mais a beleza está se tornando uma virtude, e com isso as
pessoas passam a fazer qualquer coisa por ela. Quanto mais virmos beleza como
uma virtude, mais faremos para ficar belos, e isso torna mais provável que
coisas desse tipo aconteçam com cada vez mais frequência. As pessoas passam a
fazer qualquer coisa para atingir o ideal.
BBC
News Brasil - Não corremos o risco de culpar as vítimas se pensarmos assim?
Widdows
- Temos que evitar culpar as pessoas individualmente pelo que fazem ou não
fazem no que diz respeito à beleza. Não funciona e não é justo. Se fizermos
isso, deixamos de levar em conta o quão dominante é o ideal de beleza e a sua
relação com a ética. Devemos olhar coletivamente para o ambiente tóxico que
criamos e pensar em como mudá-lo. Culpar pessoas individualmente é totalmente
improdutivo e inadequado.
BBC
News Brasil - Como essa busca por beleza foi se misturando à moral e à ética na
nossa sociedade?
Widdows
- Uma coisa só se torna uma referência ética se for totalmente normalizada.
Práticas de culto à beleza se tornaram totalmente normalizadas, e cirurgias
plásticas, ainda que não sejam tão populares, são cada vez mais comuns.
Vamos pensar em
resoluções de ano novo. Antigamente fazíamos resoluções ligadas à nossa
personalidade -- queríamos ser mais ponderados, gentis, honestos. Agora
queremos perder peso, ir mais à academia.
Cada vez mais
"melhorar" quer dizer melhorar nossos corpos. Nossos objetivos de
longo prazo são esses. Nos sentimos "bons" quando mantemos a dieta,
vamos à academia. Nos sentimos displicentes quando abandonamos a dieta, pulamos
a academia. Falamos muito que não devemos "nos descuidar", que
"merecemos" estar bem. Achamos que, se tivermos o corpo que queremos,
teremos o relacionamento que queremos. Fazemos coisas desagradáveis que são
vistas como coisas boas porque "você está investindo em você".
BBC
News Brasil - Como chegamos a esse ponto?
Widdows
- Não dá para identificar um fator específico, mas há alguns que, juntos, criam
uma tempestade perfeita. O fato de nosso cultura de comunicação ser cada vez
mais visual é um deles. É preciso estar sempre pronto para ser fotografado ou
filmado. A tecnologia também influencia. Por exemplo, a rainha Elizabeth 1ª era
muito preocupada com sua aparência, especialmente com o envelhecimento, mas não
tinha muito o que ela pudesse fazer a respeito além de botar maquiagem, mas
hoje em dia, há muita coisa que se pode fazer.
E há também a cultura de
consumo. Mostramos nossa identidade através do que consumimos. Isso se mostra
no nosso corpo, os produtos que compramos para nosso corpo. Isso se tornou uma
medida pela qual julgamos os outros e nós mesmos. Queremos chegar a um ideal de
magreza, firmeza, maciez, juventude.
BBC
News Brasil - Como chegamos a esses ideais?
Widdows
- Foi de forma gradual. Acho que estamos caminhando na direção de uniformidade.
Ideais locais de cada país ou região estão convergindo e há cada vez mais um
padrão global. A magreza é valorizada de alguma forma em quase todo lugar. As
barrigas e cinturas têm que ser finas e magras.
BBC
News Brasil - No entanto, há mais tipos de beleza sendo representados na mídia.
Widdows
- Acho que é isso é uma ilusão. Se você prestar atenção, verá que modelos
sempre se encaixam em algum dos padrões de magreza, firmeza, maciez, juventude.
Raramente vemos alguma modelo que não se encaixe em nenhum desses padrões e
ainda seja considerada bonita. Modelos mais gordas têm curvas firmes, e não
flácidas, peludas, cheias de celulite. Há coisas positivas de diversidade,
qualquer coisa que dê visibilidade ao diferente é positiva, mas há certa ilusão
a respeito do quão diversa essa diversidade realmente é.
BBC
News Brasil - Também há um movimento feminista forte que questiona a imposição
desses padrões.
Widdows
- Sim, e finalmente conseguimos romper com práticas com movimentos como o
MeToo, mas o ideal da beleza foi crescendo e crescendo sem que a gente
percebesse. É mais esquivo. Pensamos nas práticas de beleza como uma escolha
pessoal, mas no final das contas, vemos essas coisas como obrigações. Se
tornaram algo necessário para você ser normal. Temos que prestar atenção nisso
para não vivermos numa sociedade onde todos se sentem mal.
BBC
News Brasil - Seu livro foca em mulheres, mas como vê esse cenário para os homens?
Widdows
- Esse fenômeno tem afetado homens e eles estão também sofrendo ansiedade e
pressão para se encaixar em padrões. Mas a pressão é diferente. Há mais padrões
possíveis de beleza, nao há tanta pressão para não parecer velhos.
BBC
News Brasil - Há quem diga que exercício físico é uma busca pela saúde, algo
positivo.
Widdows
- A saúde pode ser usada como uma desculpa para tornar certos comportamentos
aceitáveis. Às vezes as pessoas dizem que estão fazendo coisas pela saúde, mas,
na verdade, é por beleza. Mas há também o fato de que algumas práticas são de
fato saudáveis. Os padrões são complicados porque não são só ruins, há aspectos
bons também.
BBC
News Brasil - O que se pode fazer para aliviar essa pressão toda?
Widdows
- Precisamos parar de nos culpar e de apontar o dedo para os outros. As pessoas
sentem culpa pelo que fazem e não fazem a respeito de beleza.
Matéria original no site
da BBC Brasil, disponível aqui.







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