Estou segurando meu bebê,
que não para quieto no colo, enquanto dois cientistas tentam gentilmente
remover um capacete futurista da cabeça dele. O acessório, que parece uma touca
de natação coberta por um emaranhado de cabos, é parte de uma das ferramentas
mais avançadas em pesquisa sobre a infância - promete revelar mistérios da
mente dos bebês e mudar nosso entendimento sobre a fase inicial do
desenvolvimento humano.
Mas, neste momento, meu
filho de 11 meses aparentemente não quer ser estudado.
"Me desculpa,
bebê", diz Maheen Siddiqui, estudante de doutorado do Babylab, um dos
principais centros mundiais de pesquisa da infância, na Universidade de
Birkbeck, em Londres.
A pesquisadora está
utilizando uma técnica pioneira, chamada espectroscopia funcional em
infravermelho próximo (NIRS, na sigla em inglês), para investigar o que
acontece dentro das células cerebrais dos bebês enquanto eles olham para
rostos, desenhos ou objetos.
Ela observa, em especial,
uma enzima da mitocôndria (as minúsculas "usinas" presentes em nossas
células que geram a energia de que precisamos para viver).
O equipamento que ela usa
emite radiação infravermelha no cérebro, luz com um comprimento de onda
específico que passa pelos ossos e tecidos e é absorvida pelo sangue. O aparato
foi desenvolvido especialmente para ser confortável para os bebês.
Infelizmente, o meu
prefere brincar com a touca do que deixá-la na cabeça. Siddiqui retira a peça
com cuidado. Enquanto isso, Laurel Fish, uma assistente de pesquisa, sopra
bolhas de sabão no laboratório. Meu filho se anima. E eu começo a entender
alguns desafios práticos de se estudar as primeiras semanas e meses de vida de
uma criança.
Como os bebês assimilam o
que se passa no mundo? Pais de primeira viagem, meu marido e eu nos fazíamos
sempre essa pergunta. Desde que ele nasceu, parecia um pequeno alienígena:
misterioso e fascinante.
Obviamente, nosso bebê
não fazia ideia do que eram roupas. Então, será que ele achava que mudávamos de
cor o tempo todo? E como não tinha senso de perspectiva, será que ele pensava
que diminuíamos de tamanho ao atravessar de um extremo da sala para o outro?
Há um longo histórico de
cientistas que se dedicaram a explorar o mundo secreto dos bebês. Charles
Darwin, por exemplo, publicou um diário com observações detalhadas sobre seu
filho ("Durante a primeira semana, bocejou e alongou com uma pessoa velha
- em especial os membros superiores. Soluçou, espirrou, sugou...").
Sua prole contribuiu, assim,
para o desenvolvimento de sua teoria sobre a evolução.
Mas o passado também está
repleto de mal-entendidos extraordinários, talvez porque os bebês não consigam
nos dizer o que pensam e sentem. Nos séculos 19 e 20, muitos cientistas ainda
acreditavam que nenéns não sentiam dor.
Pesquisadores dos tempos
modernos, por outro lado, descrevem os bebês como atentos, sensíveis e
inteligentes. Em nossos primeiros anos de vida, mais de um milhão de novas
conexões neurais são formadas a cada segundo. E grande parte do funcionamento
deste cérebro tão ocupado é desconhecido.
Nas duas últimas décadas,
no entanto, os avanços tecnológicos ajudaram os cientistas a fazerem novas
descobertas.
"Essa é a mistura
perfeita entre filosofia e ciência. Você está, na verdade, se perguntando sobre
questões como a origem do conhecimento, o início do pensamento e como a
aprendizagem se desenvolve", diz Natasha Kirkham, especialista em
desenvolvimento infantil e pesquisadora do Babylab.
No início dos anos 2000,
grande parte da pesquisa da infância envolvia monitorar os movimentos dos bebês
e analisar os resultados quadro a quadro em laboratório.
"Mas, agora, é incrível
o que podemos fazer. A tecnologia neurocientífica avançou a passos
largos", comemora Kirkham.
"Há tantas coisas
que você pode fazer com um bebê. E tanto a aprender sobre o que estão pensando
sem que eles tenham que te dizer."
Exceto, é claro, quando
eles não querem cooperar.
Após rejeitar o capacete
futurista, meu filho agora está vendo uma mulher recitar versos infantis na
televisão à sua frente - e nitidamente mais satisfeito com essa parte do
experimento. Apesar da calma exterior, seu cérebro está agora tremendamente
ocupado, especialmente a área localizada logo atrás da orelha. Essa região,
conhecida como sulco temporal superior (STS), faz parte do nosso "cérebro
social". É onde processamos os encontros com outras pessoas.
Nos adultos, o "cérebro
social" já foi bastante pesquisado. Mas em bebês, costumava ser
completamente inacessível, uma vez que eles simplesmente não ficam parados
tempo suficiente enquanto estão acordados para serem examinados por aparelhos
convencionais, como de ressonância magnética.
É aqui que entra a
espectroscopia em infravermelho. Siddiqui utiliza um novo protótipo que
consegue medir a atividade a nível celular, dentro da mitocôndria. Existem
algumas evidências de que as diferenças na função mitocondrial podem estar
ligadas ao autismo. Até agora, as pesquisas são baseadas na análise pós-morte
de tecido cerebral.
Ela espera conseguir
finalmente testar a hipótese em bebês vivos.
Era da informação
O projeto de Siddiqui é
uma das peças de um amplo quebra-cabeça científico que vem sendo cuidadosamente
montado no Babylab. Pesquisadores estão reunindo ainda informações de exames de
ressonância magnética de bebês dormindo, de rastreamento ocular, de eletroencefalogramas
que medem a atividade elétrica no cérebro e até mesmo de monitoramento
cardíaco.
Um objetivo comum é
entender como acontece o desenvolvimento infantil padrão e, em seguida,
investigar por que e como alguns bebês se desenvolvem de maneira diferente.
Isso envolve estudar não só suas mentes, mas o ambiente a seu redor.
Kirkham, por exemplo,
está interessada em saber como os bebês conseguem distinguir as informações
importantes das insignificantes, especialmente em ambientes desorganizados.
Os bebês aprendem
observando o mundo, tentando identificar padrões e prever o que vem adiante. Mas
isso pode ser difícil se o ambiente em que estão inseridos for caótico ou se as
pessoas a sua volta se comportarem de maneira imprevisível.
"Uma das piores
coisas que acontece na vida de um bebê e que pode causar infinitos danos é não
poder prever as reações de outras pessoas", afirma Kirkham.
"Esse tipo de ciclo
de negligência-abuso, em que não se sabe o que vai acontecer quando alguém
chega em casa (ou o que vão fazer), causa um dano enorme, porque não ser capaz
de prever é assustador".
Há muitos fatores
individuais envolvidos na pesquisa para que os cientistas do Babylab possam dar
conselhos específicos sobre como criar filhos, mas as pesquisas que eles estão
conduzindo permitem que os pais tomem algumas decisões mais conscientes.
E não apenas porque
enfatizam a importância do cuidado e carinho constantes. Por exemplo, um estudo
sobre o efeito das telas touchscreen (sensíveis ao toque) em bebês e crianças
pequenas revelou que seu uso está associado a menos sono, mas também ao
desenvolvimento precoce de coordenação motora fina.
Uma ferramenta que se
mostrou particularmente completa para esse tipo de descoberta é a
espectroscopia em infravermelho próximo. Irradiar essa luz através do crânio
permite aos pesquisadores medir os níveis de oxigênio no sangue que circula no
cérebro. Isso, por sua vez, fornece uma imagem da atividade cerebral, já que o
sangue rico em oxigênio flui para as áreas ativas.
Quando Sarah Lloyd-Fox,
pesquisadora do Babylab, começou há mais de 10 anos a trabalhar com a
tecnologia, ela já era usada para estudar cérebros adultos.
Para aplicar em bebês,
ela aperfeiçoou o método em parceria com pesquisadores da University College
London (UCL). Atualmente, Lloyd-Fox desenvolve o "capacete" padrão -
uma larga faixa preta com cabos acoplados - para outros laboratórios, além de
conduzir sua própria pesquisa.
"Acho que sou uma
das pioneiras", diz ela, enquanto nos sentamos na sala de espera do
laboratório, um espaço que lembra uma creche: alegre e repleto de brinquedos.
Meu filho parece ter
esquecido de vez o chapéu engraçado. Ele tenta subir no colo de Lloyd-Fox. Ela
aponta para a área atrás da orelha dele, que provavelmente neste momento está
sendo inundada de sangue rico em oxigênio - seu "cérebro social" está
trabalhando intensamente.
As pesquisas dela geraram
uma série de avanços. Um dos estudos mostrou, por exemplo, que recém-nascidos
com até um dia de vida ativam seu "cérebro social" em resposta a
imagens de uma mulher brincando de esconde-esconde.
Outro levantamento
indicou que os cérebros de bebês de quatro a seis meses com alto risco de
autismo respondem com menos intensidade aos estímulos sociais se comparados a
um grupo de baixo risco. Ninguém tinha sido capaz de demonstrar isso em
crianças tão pequenas antes.
De uma maneira geral, a
tecnologia aumenta a probabilidade da descoberta precoce de toda uma série de
diferenças neurológicas, ajudando as crianças a obterem o apoio adequado muito
antes do aparecimento de qualquer sintoma externo.
"Do ponto de vista
comportamental, você não vai ser capaz de identificar se o bebê tem autismo ou
uma lesão cerebral quando é prematuro, possivelmente até ele completar dois ou
três anos de vida", diz Lloyd-Fox.
"Mas você pode
identificar se há uma resposta cerebral antes de o bebê ser capaz de reagir de
maneira comportamental", completa.
Inspiração
Como o equipamento de
NIRS é portátil e mais barato do que um aparelho de ressonância magnética, ele
também pode revolucionar as pesquisas infantis em países mais pobres.
Em 2012, uma clínica na
Gâmbia entrou em contato com o Babylab - eles estavam interessados em usar a
tecnologia para estudar bebês da região. Lloyd-Fox transportou então todo seu
aparato por meio de estradas esburacadas até uma base rural do país africano,
onde foi capaz de replicar suas descobertas.
O procedimento não foi
inédito apenas na Gâmbia, mas em toda a África: nunca tinha sido registrada uma
imagem do cérebro infantil daquela maneira no continente. A colaboração agora
se transformou em um estudo mais amplo sobre o desenvolvimento infantil na Gâmbia
e no Reino Unido.
Um dos enfoques da
pesquisa é o impacto da desnutrição, uma vez que 25% das crianças do país
africano estão gravemente subnutridas.
"Uma das principais
perguntas é: como a desnutrição afeta o cérebro?", diz a pesquisadora.
"Mesmo em pesquisas
com adultos, eles não fizeram isso, então estamos de certa forma voando às
cegas nesse campo. Na verdade, não sabemos exatamente que áreas do cérebro são
afetadas em qualquer pessoa, não apenas em bebês."
Enquanto isso, em
Londres, o Babylab está sendo ampliado. Nos próximos anos, vai inaugurar um
laboratório para crianças pequenas com uma caverna de realidade virtual, que
promete uma perspectiva completamente nova em relação a esse estágio crucial do
desenvolvimento humano.
No fim da minha visita,
meu filho adormece. Hoje foi mais um dia emocionante para ele, cheio de
novidades.
Eu reflito sobre o que a
experiência me ensinou como mãe. Foi reconfortante ouvir que os bebês realmente
nos observam e respondem muito antes de conseguirem se expressar. Também foi
gratificante saber que muito do que os pais fazem instintivamente - como o
afago e os ruídos engraçados - tem sólido respaldo científico e proporciona o
melhor ambiente para o cérebro deles se desenvolver.
E será que os
recém-nascidos acham que realmente mudamos de cor e tamanho o tempo todo?
Segundo Kirkham, especialista em desenvolvimento infantil, essa é uma pergunta
brilhante. E ela responde que sim, é possível que meu filho tenha pensado que
mudamos de cor. Mas, muito provavelmente, ele simplesmente ignorou as roupas e
se concentrou no que realmente importava para ele: os rostos.
Fonte:
BBC Brasil
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