domingo, 3 de junho de 2018

Especialista explica a diferença entre doença celíaca, alergia ao glúten e síndrome do intestino irritável



O glúten é uma proteína presente no trigo que tem a função de dar liga nos alimentos. Esta proteína está presente no trigo, centeio, malte, cevada e, às vezes, na aveia. Para uma parcela da população, o glúten pode causar sérios problemas à saúde, desde reações no trato gastrointestinal, pele, sistema respiratório, anemia, depressão e até danos cerebrais. Doença Celíaca (DC), alergia ao glúten e Síndrome do Intestino Irritável (SII) são algumas das doenças glúten-relacionadas que acometem muitas pessoas em todo o mundo. 
Para explicar a diferença entre essas condições, o Blog Saúde e Bem Estar entrevistou a gastroenterologista Margarida Castro Antunes, para esclarecer à população sobre sintomas, diagnóstico, tratamento e prevenção. Confira a entrevista completa:

SBE: Qual a diferença entre as três doenças?
Margarida Castro Antunes: São três condições com causa, diagnóstico e tratamento bastante diferentes, mas que podem ter sintomas semelhantes ou parecidos.
A síndrome do intestino irritável é uma desordem que ocorre com dor abdominal acompanhada de diarreia, constipação ou alternância entre esses dois sintomas. Não é uma verdadeira doença, mas um distúrbio da movimentação e da sensibilidade do intestino e pode estar relacionada a estados ansiosos e estresse.
A doença celíaca é uma doença autoimune desencadeada pelo glúten da dieta e pode ser confundida com a SII. Por esse motivo todo paciente com SII deve fazer exame de sangue para investigar doença celíaca.
Alergia a trigo é uma reação alérgica que cursa mais com sintomas respiratórios e de pele. Por fim, algumas pessoas sem doença celíaca podem se sentir mal quando comem glúten, por dificuldade de fazer a digestão dessa proteína e são chamados portadores de intolerância ao glúten não celíaca.
SBE: Como é possível distingui-las na hora de fazer o diagnóstico? 
Margarida Castro Antunes: O diagnóstico dessas doenças é muito complexo e por isso deve ser feito, obrigatoriamente, por médico gastroenterologista por meio de exames de sangue especiais e em alguns casos endoscopia digestiva. Para os exames serem confiáveis devem ser feitos em consumo de glúten, pois eles negativam após a retirada do mesmo e, algumas vezes, demoram até dois anos para positivar novamente. Nesse contexto, as pessoas que decidem retirar o glúten da sua dieta por motivos pessoais ou para controle de peso devem realizar a avaliação para doença celíaca (que é diferente do de alergia a glúten) antes de iniciar a dieta.
SBE: Qual a frequência dessas enfermidades na população?
Margarida Castro Antunes: No Brasil, estima-se que até 1% da população tenha DC, semelhante ao que ocorre em outros locais do mundo. A síndrome do intestino irritável é mais comum e pode acometer ate 15% de crianças em idade escolar. Já a alergia ao trigo é rara no Brasil e não há dados, ainda, sobre a frequência da intolerância ao glúten não celíaca.
SBE: A doença celíaca está associada a algum fator de risco? 
Margarida Castro Antunes: Os fatores de risco são genéticos e ambientais. Os genéticos são múltiplos e o mais conhecido que é o HLA não explica a ocorrência da doença. Ou seja, cerca de 40% da população é portadora dos genes HLA para doença celíaca, mas apenas 1% tem a doença. Por esse motivo, na atualidade o exame genético não tem utilidade para o diagnóstico da enfermidade. Hoje se sabe que outros genes (ou grupos de genes) estão atuando em conjunto de forma complexa para que o indivíduo desenvolva a DC.
Alguns fatores ambientais também podem interferir no desenvolvimento tais como: nascer de parto cesárea, usar antibiótico no início da vida, idade da introdução do glúten na alimentação da criança (antes dos 4 ou após os 7 meses de vida). Mas, a maioria dos estudos ainda não consegue determinar se esses são fatores que farão com que o indivíduo desenvolva a doença ou apenas que o início dela seja mais precoce na vida.
SBE: Existe algum grupo de risco mais suscetível de ser acometido pela doença celíaca?
Margarida Castro Antunes: A doença celíaca pode acontecer em qualquer idade. Diz-se no meio médico que a pessoa não nasce com a doença, ela desenvolve. Alguns grupos são considerados de risco para a DC, entre eles: familiares de primeiro grau de indivíduos celíacos, diabéticos tipo I (usuários de insulina), pessoas com Síndrome de Down, portadores de outras doenças autoimunes (como tireoidite) e pessoas com imunodeficiência.
SBE: Como é feito o tratamento em cada caso? Existe cura?
Margarida Castro Antunes: O tratamento é feito com a retirada total do glúten da dieta por toda a vida. Considerando-se que cura é a ausência de doença, o individuo celíaco sem glúten está curado. Existe uma máxima que diz que “O celíaco é uma pessoa normal que não pode consumir glúten”.
SBE: Como prevenir?
Margarida Castro Antunes: Até o momento não existe uma forma conhecida de prevenir completamente a doença celíaca. Mas evitar parto cesáreo e uso de antibiótico desnecessário tem o potencial de diminuir a frequência da DC na população.
SBE: Quais as principais complicações associadas à doença celíaca?
Margarida Castro Antunes: O celíaco não tratado, ou com tratamento inadequado tem risco aumentado de osteoporose, infertilidade e câncer. Por esse motivo o diagnóstico deve ser feito de forma correta para evitar uma dieta inadequada e as complicações dessa conduta.
SBE: Qual a maior dificuldade no diagnóstico e tratamento?
Margarida Castro Antunes: Atualmente uma das maiores dificuldades no diagnóstico é pelo grande número de pessoas que segue dieta sem glúten, antes de descartar a doença celíaca. Como comentado anteriormente, os exames de sangue e biopsia normalizam rapidamente após a suspensão do glúten da dieta e depois podem demorar muito tempo para voltar a positivar. Os exames genéticos não contribuem para o diagnóstico. Ou seja, o indivíduo fica sem saber se tem a doença e não inicia o tratamento correto precocemente, ficando sujeito às complicações da doença não tratada.
SBE: Existem outras doenças associadas ao glúten?
Margarida Castro Antunes: Além das comentadas anteriormente, existe a dermatite herpetiforme, que é uma doença de pele desencadeada pelo glúten.

Margarida Castro Antunes
Professora do Departamento de Saúde Materno Infantil e Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente, UFPE. Preceptora do Serviço de Gastroenterologia Pediátrica, Hospital das Clínicas UFPE.

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