Desde criança a
publicitária Camila Alvarenga de Paula Pinto, hoje com 37 anos, alimenta uma
certeza na vida: quer ser mãe. Ela tem como referência a sua própria mãe,
Denise, que teve três filhos e ao mesmo tempo construiu uma carreira sólida e
de sucesso. A diferença é que a mãe de Camila deu à luz aos 30 anos de idade,
no auge da fertilidade, e a publicitária já está com
37 anos e ainda não pretende engravidar.
A alternativa para Camila
adiar mais um pouco o sonho da maternidade foi congelar seus óvulos - técnica
existente há mais de dez anos e cada vez mais comum diante das mudanças sociais
e comportamentais das mulheres.
Influenciada por uma
amiga, Camila passou pelo procedimento no início do ano e disse que o incômodo
maior foi receber as doses de hormônio durante 12 dias. "Ao final do
período, nos últimos três dias, nem eu me suportava", brinca ela, que está
num relacionamento estável, mas ainda não sabe quando será mãe.
"Meu namorado
entendeu e apoiou a minha decisão. Nós sempre conversamos sobre ter filhos, só
não sabemos a hora ainda", diz ela. Camila conseguiu coletar 24 óvulos e
18, por terem qualidade, foram congelados.
Quem fiscaliza as
clínicas de reprodução assistida no Brasil é a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa), mas a agência não possui números oficiais de óvulos congelados
no país com o objetivo de prolongar a "janela de oportunidade" das
mulheres para a maternidade.
A Anvisa tabula e
monitora apenas a quantidade de embriões - segundo o Sistema Nacional de
Produção de Embriões, o SisEmbrio, em 2017, 75.557 embriões foram congelados no
Brasil, um aumento de 13% em relação ao ano de 2016, quando 66.597 embriões
foram congelados.
Levantamento feito pela
BBC News Brasil em seis clínicas de reprodução assistida em São Paulo e no Rio
de Janeiro confirma essa tendência de aumento de casos de congelamento para
preservar a fertilidade.
A Clínica Huntington, por
exemplo, uma das maiores de São Paulo, praticamente triplicou o número de
pacientes que congelaram seus óvulos em cinco anos: em 2012, 122 mulheres
passaram pelo procedimento; em 2017 foram 353 - um salto de 189%.
O mesmo aumento foi
verificado na clínica Fertility, também em São Paulo. Em 2013, 65 mulheres
congelaram seus óvulos na unidade, contra 180 no ano passado, o que representa
um aumento de 176% na procura pelo serviço.
"Em 2013, 5,5% dos
procedimentos da clínica eram congelamento de óvulos. Em 2015, eles já
representavam 9,4%. Em 2018, 1 em cada 5 procedimentos realizados na Fertility
são de criopreservação de óvulos. Isso mostra claramente uma mudança de conduta
da mulher", afirma Edson Borges.
Nas Clínicas Mãe e
Engravida, o salto foi de quase cinco vezes: saiu de 32 casos em 2012 para 188
casos cinco anos depois.
Idade certa
Os especialistas em
reprodução assistida recomendam que a mulher que pretende adiar a gravidez
congele seus óvulos até os 35 anos, enquanto eles são mais novos e possuem mais
qualidade.
Apesar disso, a idade
média das mulheres que têm procurado o serviço gira em torno de 37,7 anos.
"O ideal mesmo seria congelar esses óvulos antes dos 30 anos, mas nessa
idade ninguém está pensando nisso ainda", afirma a médica Thaís Sanches
Domingues Cury, da Clínica Huntington.
O principal problema de
procurar a técnica mais tarde, explica Thaís, é ter de submeter a paciente a
mais de um ciclo de coleta e o risco de os óvulos não terem mais a qualidade
necessária. Os médicos sugerem congelar pelo menos 15 óvulos.
"A mulher de 40 anos
tem menos estoque ovariano, então é possível que ela tenha de se submeter ao
procedimento mais de uma vez para conseguirmos coletar uma quantidade mínima e
segura de óvulos", diz a especialista.
Foi o que aconteceu com a
administradora de empresas Magda Barrinuevo Bertochi, de 43 anos, que congelou
seus óvulos aos 38 anos depois de passar por dois ciclos de estimulação. Ela
conta que tomou a decisão graças a um "empurrão" do irmão, que estava
passando por tratamento de reprodução assistida com a esposa.
"Na época eu estava
solteira e super focada na carreira, cursando um MBA e sem tempo para pensar em
filhos. Quando meu irmão comentou sobre o congelamento, passei a amadurecer a
ideia até decidir procurar ajuda", conta.
Após uma série de exames,
Magda constatou que havia pouca reserva ovariana e, por isso, foi submetida a
dois ciclos de coleta. Conseguiu recolher 18 óvulos, 9 em cada procedimento.
"Graças a Deus isso
me tirou um peso das costas e me deu uma sensação de alívio. Sei que tenho meus
óvulos congelados e que posso decidir ser mãe no momento em que eu achar
ideal", afirma a administradora, que ainda está solteira e diz que agora
está começando a cogitar a possibilidade de ser mãe independente, com ajuda do
banco de sêmen.
"Eu tenho muita
vontade de ser mãe e acho que a mulher vai passando por várias fases até chegar
nesse momento. Hoje estou na fase de me perguntar se quero ser mãe solteira ou
se quero esperar achar um companheiro", afirmou.
Produção independente
A estatística Rafaela*,
de 40 anos, já tomou a decisão de ser mãe independentemente de ter um
companheiro ao seu lado. Ela congelou seus óvulos em 2016, aos 38 anos, e mesmo
depois de se submeter ao procedimento duas vezes, conseguiu coletar apenas
quatro unidades de qualidade.
"Eu estava solteira
e a idade biológica falou mais alto. Ou eu congelava naquele momento, ou não
conseguiria ser mãe usando meu próprio material biológico", afirma.
Dois anos depois do
congelamento, Rafaela percebeu que era hora de engravidar. Na ausência de um
parceiro, recorreu à doação de sêmen.
Recebeu da clínica uma
lista com uma série de características do doador (raça, cor dos olhos, cor dos
cabelos, religião, peso, altura, signo, formação, tipo sanguíneo, hobbies, se
era fumante ou não etc.) para escolher alguém que fosse parecido com ela.
"Eu adoro esportes, então escolhi um doador que declarou que pratica surf
e ama a praia", revelou.
Após a fertilização em
laboratório, três embriões se tornaram viáveis para serem transferidos para o
útero de Rafaela, mas ela optou por transferir dois e manter um congelado. Um
dos embriões vingou e Rafaela está grávida de 12 semanas do seu primeiro filho
- graças às técnicas de reprodução assistida.
"Estou absolutamente
realizada e recomendo para todas as mulheres. Depois dos 38 anos, a quantidade
de óvulos cai drasticamente."
'Congelamento social'
Os especialistas chamam a
tendência de "congelamento social de óvulos", que distinguem, por
exemplo, do congelamento em casos de doença - quando a mulher está em
tratamento de câncer, por exemplo, e decide congelar seus óvulos para preservar
a fertilidade.
Uma pesquisa realizada
pela Universidade de Yale e divulgada no começo do mês passado durante o
congresso da Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia, em
Barcelona, confirmou que a falta de um parceiro ou um relacionamento estável
são os principais motivos para as mulheres buscarem ajuda em uma clínica de
reprodução.
Os pesquisadores ouviram
150 mulheres e o resultado mostra que 85% delas estavam solteiras quando
tomaram a decisão e 15% tinham um relacionamento com um parceiro que não se considerava
disposto a ter filhos.
"Há dez anos, a
técnica de congelamento era outra e os resultados não eram tão satisfatórios,
havia muitas perdas no processo de descongelamento. Com a vitrificação (técnica
atual), a gente consegue ótimos resultados e por prazo indeterminado. Isso
acabou se popularizando, e a mulher já chega ao consultório sabendo o que
quer", afirmou o médico José Geraldo Alves Caldeira, do Centro de
Reprodução Humana do Hospital Santa Joana.
Efeitos colaterais e riscos
Segundo Caldeira, os
efeitos colaterais do período em que a mulher recebe hormônio para
superestimular a ovulação são irritação, ansiedade e em alguns casos um pouco
de inchaço.
Ainda segundo ele, os
hormônios que a mulher vai receber nesse período são o FSH e LH - que já
circulam normalmente no organismo. Esses hormônios são diferentes dos hormônios
usado em pílulas anticoncepcionais (estrógeno e progesterona), que têm como
objetivo justamente impedir a ovulação.
"O que acontece é
que ela vai receber uma dose maior de FSH e LH e, em vez de ovular um único
óvulo, vai ovular vários", explica o médico, ressaltando que, nessa fase
do tratamento, não há riscos de trombose ou embolia, por exemplo.
No caso de mulheres com
histórico de câncer de mama na família, Caldeira explicou que a estimulação
ovariana é feita com outro hormônio, o letrozol.
De acordo com Caldeira,
quando a mulher for preparar o endométrio para receber o embrião, aí sim o
risco de trombose aumenta - caso a paciente tenha pré-disposição ou antecedentes.
Para evitar o problema,
todas as mulheres passam por exames que avaliam esse risco e, se ele existir,
recebem junto um medicamento anticoagulante diariamente.
Investimento
O Sistema Único de Saúde
não paga pelo processo de congelamento de óvulos para adiar a maternidade.
Hoje há apenas 11
hospitais públicos no Brasil que trabalham com reprodução assistida - todos com
filas imensas e já para fazer o tratamento em si.
Assim, a mulher que
deseja ser mãe mais velha precisa investir cerca de R$ 18 mil no procedimento.
Os preços variam de clínica para clínica, mas apenas os custos com medicação
somam cerca de R$ 6 mil.
A parte clínica e de
laboratório giram em torno de R$ 12 mil. Além disso, a mulher terá de pagar
cerca de R$ 1 mil por ano para manter os óvulos criopreservados.
Anualmente, as clínicas
são fiscalizadas pela Anvisa, que vai observar se as unidades cumprem os
requisitos de qualidade para manter material biológico congelado e vai
monitorar a qualidade dos procedimentos.
Segundo João Batista
Silva Junior, gerente de Departamento de Sangue, Tecidos, Células e Órgãos da
Anvisa, a agência está iniciando uma nova discussão para atualização das normas
sanitárias para atualizar a regulamentação.
"A última revisão
foi em 2011 e muita coisa nova surgiu nesse período", afirmou Silva.
Atualmente, não há lei
que regulamente a reprodução assistida no Brasil, há apenas a Lei de
Biossegurança, que fala sobre armazenamento e destino dos embriões. As técnicas
de reprodução são embasadas em resoluções do Conselho Federal de Medicina
(CFM), que atualiza a norma a cada dois anos, em média.
*Nome
alterado a pedido da entrevistada
Fonte:
BBC Brasil
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